Haroldo Ribeiro
A gestão organizacional enfrenta dilemas que muitas vezes parecem incompreensíveis à primeira vista. Perguntas que tocam nas raízes da simplicidade e da coerência são frequentemente ignoradas, mas, quando analisadas, revelam uma verdade desconcertante: a busca pelo complexo antes de dominar o básico pode ser uma das maiores armadilhas nas organizações.
É possível fazer o complexo, no mínimo razoável, antes de fazer o simples, bem-feito?
Antes de tentar resolver equações matemáticas avançadas, é necessário entender as bases mais simples, como a tabuada. Da mesma forma, é incoerente aplicar metodologias complexas de gestão, como o Lean Manufacturing ou o Six Sigma, sem que a empresa tenha uma base sólida de práticas simples e eficazes. Isso levanta um ponto crucial: muitos gestores focam em sistemas elaborados e metodologias de ponta sem antes garantir que a organização saiba lidar com o básico, como a organização do ambiente de trabalho e a limpeza.
Essa questão de fazer o simples bem-feito antes de partir para o complexo é um dos maiores desafios. Em muitas organizações, há uma pressa para implementar ferramentas sofisticadas de gestão da qualidade, como as normas ISO, sem que os colaboradores tenham o mínimo hábito de organização e disciplina. É possível implantar um sistema eficaz de gestão sem essa base? Provavelmente não, pois, sem o básico, o avançado se torna insustentável.
Cuidar do meio ambiente sem desperdiçar recursos: um dilema ético e prático
Outro dilema central diz respeito à sustentabilidade. É coerente falar de cuidar do meio ambiente sem antes não desperdiçar recursos, inclusive alimentos? A eficiência no uso dos recursos começa dentro da organização, com práticas como a não geração de desperdícios e o consumo consciente de materiais. Organizações que falam de responsabilidade ambiental e ESG (Environmental, Social, and Governance) mas negligenciam o desperdício em seus próprios processos acabam enviando uma mensagem contraditória.
Produtividade e eficiência, por exemplo, são conceitos amplamente discutidos no ambiente empresarial. Mas, faz sentido falar em produtividade e eficiência sem ter as coisas organizadas? É quase impossível imaginar uma empresa eficiente e produtiva em um ambiente desorganizado. A própria metodologia 5S, que se baseia em cinco princípios simples, é um exemplo claro de que a base de qualquer processo de eficiência começa com a organização e a limpeza.
Cuidados com a limpeza e sua relação com vida útil do ativos e a autoestima
Outro aspecto muitas vezes negligenciado é a limpeza do ambiente de trabalho. Não é um contrassenso querer que as coisas durem muito quando nem sequer cuidamos da limpeza? A falta de atenção para a limpeza, seja em equipamentos, materiais e outros ativos, impacta diretamente a confiabilidade, a disponibilidade e a vida util de equipamentos, instalações, mobiliários, ferramentas, instrumentos e outros recursos.
E aqui entra a questão da saúde e da motivação. O que pensar na autoestima e motivação se não cuidamos de nossa saúde, a partir de nossa higiene? A higiene pessoal é um reflexo do cuidado com o indivíduo e o ambiente. Um ambiente limpo e organizado eleva a autoestima dos colaboradores e cria uma atmosfera de respeito e cuidado mútuo, fundamental para a motivação e produtividade.
Disciplina e normas: a importância de pequenos hábitos
A disciplina é outro ponto central para o sucesso de qualquer organização. Como podemos exigir disciplina para cumprir normas e rotinas se alguém não consegue colocar um objeto no lugar após o uso? Pequenos hábitos, como manter as ferramentas no local correto ou organizar a mesa de trabalho, são indicativos do nível de disciplina e comprometimento dos colaboradores. Se esses hábitos básicos não são cultivados, será muito mais difícil implementar rotinas mais complexas ou seguir normas rigorosas de produção e qualidade.
A implantação de metodologias de gestão, como o TPM (Total Productive Maintenance) ou o WCM (World Class Manufacturing), exige uma cultura de disciplina e organização que começa com ações simples e diárias. Se uma organização não consegue implantar e formar a cultura do 5S, qual será a efetividade das normas ISO de sistema de gestão? As ferramentas de gestão, por mais sofisticadas que sejam, dependem de uma base sólida de cultura organizacional.
O 5S como reflexo da verdadeira competência gerencial
O 5S, por exemplo, é uma metodologia simples que pode ser aplicada em qualquer organização. Porém, sua efetividade depende diretamente do comprometimento das lideranças e da adesão dos colaboradores. Lembre-se, o 5S é a metodologia mais prática de se avaliar a verdadeira competência gerencial das lideranças e a real cultura da organização. Uma organização que não consegue manter a prática do 5S terá muita dificuldade em implementar outras metodologias mais complexas.
Além disso, o 5S reflete a cultura organizacional de disciplina, organização e respeito ao ambiente de trabalho. Sem essa base, como esperar que políticas de qualidade, sustentabilidade e governança sejam eficazes? A implantação de ferramentas como o 6-Sigma, BSC (Balanced Scorecard) ou as normas de ESG (Environmental, Social, and Governance) se torna muito mais desafiadora quando a cultura organizacional não é sólida.
Qualificação e proatividade: a base do profissional eficiente
Por fim, uma das questões mais intrigantes é a relação entre qualificação e postura. Como ter profissionais qualificados e eficientes sem que tenham bons hábitos e sejam proativos? A formação de um profissional eficiente não se baseia apenas em conhecimentos técnicos, mas também em atitudes e comportamentos que refletem disciplina, organização e proatividade. Uma organização que não fomenta esses princípios desde o início terá dificuldades em desenvolver equipes altamente qualificadas.
Conclusão
Os dilemas apresentados na gestão organizacional revelam que a busca pelo complexo sem a consolidação dos fundamentos básicos pode levar a um ciclo de ineficiência e inconsistência. A essência de qualquer organização eficiente começa com pequenas ações que, embora simples, são cruciais: organização, limpeza, disciplina e respeito aos recursos. Sem esses elementos, implementar metodologias avançadas, como Lean Manufacturing, Six Sigma, ou adotar princípios ESG, se torna um esforço vazio, com baixa probabilidade de sucesso.
O 5S surge como uma ferramenta essencial para estabelecer a base organizacional necessária para a excelência operacional. Ele não é apenas uma técnica de gestão, mas uma prova da capacidade da liderança de instaurar uma cultura de disciplina e organização. Sem essa base, a eficiência e produtividade tornam-se promessas vazias, e a qualidade sustentável dificilmente será alcançada.
Portanto, antes de aspirar à complexidade, é imperativo que as organizações dominem o simples. A efetividade de políticas, normas e ferramentas de gestão está diretamente ligada à cultura organizacional e aos hábitos diários dos colaboradores. O futuro de uma organização bem-sucedida repousa não apenas nas suas grandes estratégias, mas também na prática cotidiana do cuidado com o ambiente, a saúde, a disciplina e a proatividade.
Haroldo Ribeiro é consultor especializado no Japão, e autor de mais 35 livros sobre 5S e TPM, desde 1994. Membro da Academia Brasileira da Qualidade. Engenheiro e Auditor da Qualidade pela ASQ (USA).
E-mail: pdca@terra.com.br
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